O Pulsar

            As vezes, perdemos toda e qualquer esperança que escondíamos dentro de nossos pensamentos, sem saber, que aquele resquício de luz poderia ser a chave para novos mundos. As vezes, a pequena luz está tão próxima que não conseguimos ver. As vezes... não.

Minha visão está turva e tento identificar onde estou. O ambiente possui um aspecto de frieza e ao mesmo tempo familiaridade. As paredes são alabastrinas, as janelas estão fechadas cobertas por persianas azuis longas, e logo aquém, uma poltrona de descanso. Ao olhar para o lado esquerdo, me deparo com bomba de infusão e outros equipamentos... Estou novamente no hospital.

Por mais que “lutar” fosse a única palavra que venho escutando durante esses tempos, estava exausta disso. Cheguei a perguntar-me em silêncio se o famoso “descanso eterno” não seria a melhor opção. Mas simplesmente,  não conseguia abrir mão de minha vida, pelo menos, não do resto dela.

Mesmo que pareça impossível, ainda tenho o pulsar da esperança. Com o estado agravado do tumor, vejo o sofrimento de meus pais... suas lamúrias ocultadas em sorrisos forçados, sorrisos que tentam nos transmitir utopias, sorrisos repletos de fé, sorrisos que um dia talvez se apaguem...

A morte se aproxima como algo iminente e não temo. Apenas almejo que saibam da existência dele: Aquele que foi meu amigo em todas as horas, Aquele que me conectava a outros mundos. Aquele, que conta a minha história...

- Kat?

Curioso, me encarava sem saber ao certo o que fazer. Apesar de seu cansaço, consigo ver os olhos que tanto sussurraram em silêncio, os olhos que me fizeram ver novamente a esperança que um dia pensei ter partido...

- Não é contagioso, sabia? - O trocadilho não pareceu lhe agradar. –
- Isso é sério Kat...

A única coisa que não desejava neste momento era isso: a seriedade.

- Posso te pedir uma coisa?

E com largos passos, se aproximou de minha cama, sentou-se na beirada e fixou seus olhos em mim... como da primeira vez.

- Deita comigo?

E como uma ordem fosse dada, ali estava ele. Deitado ao meu lado, segurava minhas mãos de forma tão delicada como se fosse um vidro prestes a se quebrar. E me lembrou de todas as promessas que havia feito, e implorou meu perdão por não tê-las cumprido. Apenas cerrei meus olhos e sussurrei em seu ouvido:

- Recorda-me.

Ele caminhou em direção a uma estante e retirou o caderno de minha vida.

- Do que você gostaria de recordar primeiro?

- Do princípio oras! – Mesmo que estivesse em meus últimos momentos, possuía uma paz inexplicável, e era exatamente isto que queria passar para ele... queria que, assim como eu, estivesse preparado para o que estava próximo. –

E novamente, voltou a se recostar ao meu lado. Mostrou o sorriso de moleque travesso que brincava a procura de um tesouro, sorriso que se alargou ainda mais quando leu a primeira página de minhas medíocres anotações

         O Tumor apenas piora... como eles desejam que eu tenha fé em alguma mudança? Como se não bastasse, um idiota conseguiu acabar com o resto do meu dia. Quando consegui ver a solução de todos os meus problemas, ele tenta bancar o papel de herói.

Andava em meio aos trilhos, pensando no que ainda restava fazer nesta vida. Carregava em meu peito um pequeno papel, e em meus olhos, lágrimas que nunca jorrariam para fora de minh’alma. 

Implorei aos ventos uma resposta, uma solução. Eis que me viro e encontro um metrô se aproximando cada vez mais depressa e percebi que aquele poderia ser meu fim. Oras bolas, finais não precisam ser felizes, e muito menos eternos. Simplesmente desejava acabar com minha tortura, e ali estava a oportunidade.


Cerrei meus olhos a espera do desconhecido, 
Até que um se atirou bem no meu caminho.

- Então, você me achava um idiota? – Indagou Lucas com uma expressão duvidosa –
- Um completo idiota. – Afirmei, com o maior cinismo possível -
- Vamos ver o que encontramos nas próximas páginas...

Sua atenção estava voltada novamente ao caderno, seus olhos pairavam sobre um novo título: “Lucas

          E por mais que tentei odiá-lo, falhei. E por mais que tentei afastá-lo, fracassei.
Foi nele, onde encontrei uma fagulha de esperança para conseguir segurar meu sofrimento. Compartilhei meus segredos mais profundos, com exceção deste fardo sombrio que atormenta meus dias e minhas noites. 
Por ele, e apenas por ele, desejaria viver um pouco mais.

Ele seria meu astrônomo
Eu seria sua estrela.

Lágrimas escorriam lentamente em sua face. Lágrimas que eu poderia enxugar, mas a dor que ele sentia, não poderia apagar. Nada mais poderia ser feito neste caminho, a não ser prosseguir...

E um dia, aquele garoto estranho fez-me sentir... viva?
Dentre tantas cobranças, ele apenas me pediu uma música... uma música para que pudesse recordar de mim, nos melhores e nos piores momentos. 
Apenas uma música.
E eu lhe dei a verdade.

Minhas mãos fraquejaram e minha visão pôs-se a embaçar. Eu sabia que minha vida estava se esvaindo de minhas mãos, e o escarlate de meu corpo se movimentava lentamente. Antes que pudesse perceber, o fiz prosseguir mais páginas adiante, com minha última anotação.

         Redescobri a esperança que havia perdido, descobri que meus sonhos ainda estavam vivos, assim como meu corpo, assim como meu coração.
Minha esperança. Meu Coração.
Este caderno é apenas algo que deixo para que, minha memória seja eterna.


Recorde-me como tua estrela
Aquela que sempre pode vê-la.
Recorde-se dos nossos melhores momentos,
Nossas palavras aos ventos.
Mas esqueça de todo o sofrimento e a saudade,
Recorde somente a nossa idade.

Desejo que minha esperança continue a pulsar neste mundo, quero dar esta oportunidade a outra pessoa que agora necessitará mais de um coração que eu. Quero que ela veja tudo o que o mundo pode lhe oferecer, e quero que você a guie, como me guiou...

 Quando meus olhos nada mais enxergarem, cumpra este meu último desejo. 

- Mas ainda existe uma página em branco... – Ele me encarou, com seus olhos marejados –
- Escrevas o nosso epílogo.

Em meio a uma escuridão infinita, a nossa música se espalhava naquele recinto, onde não sabíamos determinar o começo ou fim.

Não vi seus olhos esperançosos, mas senti o seu abraço, a única certeza que tinha era de sua presença. Nossos pensamentos pairavam, sem se revelarem, e cada vez mais indagava qual enigma escondiam.

Apenas o escutei sussurrar:
- Eu te amarei para sempre, Katarinne.

E recordei-me, de tudo o que já havia acontecido, como cheguei até aqui.

Com aquelas últimas palavras, percebi que, o perfume de minha flor não seria esquecido... Eu não seria esquecida...

- Te amarei, até meu último suspirar
Até meu último suspirar...
Até meu últ...

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